Por Katia Calsavara (Folha de S. Paulo)
“Nossa sociedade, por falta de conhecimento, trata o deficiente como um coitado. Se eu fosse me basear nesse tipo de pensamento, não colocaria meus pés para fora de casa. No meu espaço, não há sofrimento.”
A afirmação é do bailarino e coreógrafo paulistano Marcos Abranches, 36, que tem paralisia cerebral em decorrência do parto. Ele nasceu prematuro, aos 6 meses e 20 dias de gestação.
Aos oito anos, começou a andar, depois de várias sessões de fisioterapia. Até hoje ele convive com incessantes espasmos, fala e caminha com dificuldade, mas tem o raciocínio perfeito -apesar do nome, a paralisia cerebral não afeta a parte cognitiva.
Ele conta, antes de iniciar o ensaio aberto de seu mais novo espetáculo, só ter se sentido seguro para andar sozinho na rua aos 16 anos.
“Corpo sobre Tela”, trabalho criado em parceria com Rogério Ortiz e baseado na obra do pintor irlandês Francis Bacon (1909-1992), é um dos destaques da Mostra Internacional de Arte + Sentidos, que vai até 27 de outubro no teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo.
Ao todo, serão 12 montagens de grupos do Brasil, de Portugal e da Escócia, encenadas por artistas com e sem deficiência. “O principal critério de escolha dos grupos foi a qualidade dos trabalhos”, afirma Graziela Vieira, coordenadora da mostra.
SINGULARIDADE
Em seu espetáculo, Abranches combina movimentos voluntários e involuntários a um potente trabalho de intérprete. Ele faz de seu corpo uma espécie de pincel e acaba por pintar com ele um quadro em cena.
O artista não economiza energia ao tratar de temas como autonomia e singularidade. Hoje, considera-se 90% curado. “São mínimas as coisas para as quais preciso de ajuda: fazer a barba, amarrar o sapato e cortar a comida.”
“Tenho orgulho da minha deficiência, mas não uso isso em primeiro lugar na minha dança. Eu me entrego totalmente, mas antes de qualquer coisa vem meu coração e meu aprendizado”, diz.
Casado e pai de um filho de um ano, o artista afirma que dança pela família e para lutar pelo futuro de um país melhor, principalmente para as pessoas com deficiência.
“Quero ser um exemplo de coragem para quem usa a própria deficiência em busca de piedade.”
TRAJETÓRIA
Abranches conta que não gostava de ficar em casa e arrumou emprego em um lava-rápido, aos 18 anos.
Mas o que ele gostava mesmo de fazer era sair para assistir a espetáculos de dança, principalmente os do Balé da Cidade de São Paulo.
Em uma noite de estreia, conheceu o coreógrafo Sandro Borelli e trocaram contatos. Em poucos dias, Borelli o convidou para acompanhar os ensaios de “Senhor dos Anjos” (2001).
Logo depois, Abranches fez um teste para participar do espetáculo. Passou e entrou para o elenco.
Iniciada a vida nos palcos, ele teve aulas e trabalhou com os coreógrafos Marta Soares, Marcelo Bucoff, Jorge Garcia e com o americano Alito Alessi, um dos fundadores do Dance Ability, escola de movimento que integra, em cena, pessoas com e sem deficiência.
Abranches fundou o Grupo Vidança SP em 2005 e esteve em cartaz com “D…Equilíbrio”, “Formas de Ver” e “Via sem Regra” (apresentado também na Alemanha, na Deutsche Oper Berlin).
Além das experiências com diretores e coreógrafos brasileiros, ele trabalhou com criadores europeus, entre eles Gerda König e Christoph Schlingensief.
Referência: Rede Saci
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